segunda-feira, 15 de abril de 2013

No caminho para o Céu


No Caminho Para O Céu




Embora cercado pelos desvê-los de seus virtuosos pais, Antoninho recebeu o primeiro ósculo do sofrimento: leve dor de cabeça acompanhada de uma febrezinha significativa. Chamaram logo um médico; Antoninho recebe-o com sorriso que lhe era peculiar, como que achando inútil aquela visita... Já conhecia seu fim... 

O facultativo receitou uma poção, deixando o doentinho em ótimas condições. O medicamento fora acertado.

O médico, numa segunda visita, nada constatou que desse motivo a alarmar a família. Manifestou-se porém,o sarampo, enfraquecendo-o um pouco. No entanto, o médico assistente achou que a permanência de alguns dias em Santos seria o bastante para restabelece-lo. Antoninho principiou assim sua VIA CRUCIS.

Seus pais, notando que de nada lhe valera essa mudança, o trouxeram novamente para a capital. Antoninho definhava... Submetido a novo exame clínico, nada de grave se apurou... Era uma simples fraqueza, sem complicações maior...

Tudo se resolveria satisfatoriamente...

Bastariam alguns dias em cidade de bom clima e em breve suas forças depauperadas se recomporiam... Nova viagem! Lá vai Antoninho para São Roque! Novo médico e novo exame clínico! Apresentado um bom diagnóstico, estava ele, entretanto com pleuriz seca! E havia residido em Santos, clima inadequado para essa moléstia! Assim mesmo, todos alimentavam fundadas esperanças de vê-lo completamente curado.

Nova decepção, Antoninho não melhorava. No entanto, apresentava-se sempre ativo, não demostrando nada de grave, o que tranqüilizava sobremaneira os pais. Pensavam que a sua fraqueza nada era mais do que conseqüência do sarampo, sua primeira enfermidade.

Assim mesmo, seus pais levaram-no novamente ao clínico onde ele foi submetido a longo e meticuloso exame. 
Acharam o facultativo que seu cliente estava atacado de moléstia cardíaca, e por isso, receitou-lhe injeções fortificantes e reguladoras. Durante sete longos meses passou Antoninho com o tratamento prescrito. Cheios de esperança, exceto Antoninho, todos propediam a crer na nova moléstia... Uma noite o menino sonhou que um vulto lhe dissera: “Você está com dois quilos a menos! Irá diminuindo aos poucos... Prepara-se porque vai para Campos do Jordão”. No dia seguinte, contou a sua mãe e na presença de mais pessoas o sonho. Ela não lhe deu importância, levando-o, porém à balança. Confirmara-se o que Antoninho dissera. O sonho revelador não mentira. Estava com dois quilos a menos!

Após novo exame, o médico aconselhou a que fossem para Campos do Jordão.

Antoninho, em ar de descrença, sorriu, dizendo: “Minha mãe, o médico errou”.
Ao tomar-lhe a temperatura, diz o médico: “Não tem febre. Temperatura normal, 36°. Vai bem, muito bem”. 
Antoninho com toda naturalidade, disse-lhe “Doutor, o senhor se enganou. Veja bem que o termômetro acusa 38 e meio!”

Efetivamente. 
Era isso mesmo. 
O médico admiradíssimo pela atividade do menino, meneou a cabeça e ficou pensativo. 
Antoninho estava turbeculoso! 
Os médicos, apesar dos seus estudos e da grande prática que tinham, não conheceram logo a moléstia dessa singular criatura. Ele, porém, sabia do seu estado, tanto que interpelara certa vez o médico perguntando: “Doutor, porque será que os médicos estudando nos mesmos livros, não dizem a mesma coisa?”

O médico perplexo e ao mesmo tempo atrapalhado com a arguta e irrespondivel pergunta do menino, contentou-se em dizer: “Ora, Antoninho! A medicina é... é... é muito complicada...”.

O pai do menino não se conformava com a viagem a Campos do Jordão. Aflito e desconfiado, pediu ao médico toda franqueza. Disse-lhe o facultativo: “Não se aflija. Não é nada. Fraqueza e só fraquesa! O coração um pouco atacado. Só a viagem lhe fará bem. Fique certo”. Confortado, sentiu que essas palavras esperançosas vinham, como um bálsamo, suavisar-lhe a alma. Animado assim, com novas energias, preparava-se para essa viagem, certo de que bastariam alguns meses de permanência em Campos do Jordão para se confirmarem as suas suposições. Antoninho iria sarar...

Em S. Roque, quando o tempo permitia, Antoninho fazia seu passeio matinal. Nessa excursão retemperante incluía, como um dever sagrado, visitar a Matriz. Na igreja sentia-se feliz, porque ia dar o bom dia a Jesus.

Quando chegava a praça que enfrenta o lindo templo, ele se adiantava, deixando atrás o companheiro. Radiante, transpunha os umbrais da Casa de Deus, fixando-se ante o tabernáculo em atitude meditativa. Ouvia assim a Jesus, deixando cotidianamente o seu coração inflamado de amor e pronto a sofrer por ele. 

Providenciada que foi sua volta para São Paulo, ao despedir-se dizia a todos “muito obrigado: fiquem todos com Deus”. Permanecendo, embora pouco tempo em São Roque, soube ele cativar inúmeros corações, deixando, por isso, muitos amigos. É que além de sua brandura, sabiam todos admirar-lhe a animosidade quando pungido pelo agulhão da dor, fosse ela corpórea ou lhe ferisse fundo o coração.

Em suas penosas viagens, lembrava-se sempre de Jesus quando subia ao Calvário sob o peso do sagrado lenho. 

Porque ?
Para expiar ele também, com o sofrimento, a culpa e remir os pecados humanos.

Que belo e edificante exemplo e que livro sempre aberto para nossas meditações! É bem de ver-se que, dadas as imperfeições do mundo, não podemos facilmente seguir-lhe as pegadas nesse seu desprendimento por amor a Jesus. Contudo, peçamos ao seu elevado espírito que nos sustenha, pensando como Santo Agostinho “O TRAVO AMARGO DO CALICE DO SOFRIMENTO, DO QUAL NOS TOCAVA PROVAR ALGUMAS GOTAS, JESUS, O MEIGO CORDEIRO DE DEUS, RESERVO-O INTEIRAMENTE PARA SI”. Antoninho sentia n’alma as palavras de São Paulo : “SUPERABUNDO GAUDIO IN OMNI TRIBULATIONI MEGA... e consequentemente, ITA ET PER CHRISTUM ABUNDAT CONSOLATIO MEA...”



Antes de deixarem São Roque, Antoninho já sabia avaliar perfeitamente a gravidade do seu estado e positivar o seu fim.

Uma senhora dissera a mãe que Campos do Jordão era um bom lugar, mas reservado aos ricos... queria com isso lembrar que eles não poderiam arcar com tamanhas despesas. Essas palavras ouvidas por Antoninho obrigaram sua mãe a adiantar: “Meu filho, descanse que haveremos de fazer tudo para que possas recuperar a saúde”. O menino, que seguia atento toda a conversação, disse “Não há de ser nada minha mãe, nós iremos a Campos do Jordão mas... será uma viagem inútil.” Dias depois, Antoninho recebia de seu pai um telegrama em que se lhe comunica haver ele obtido outra colocação, para trabalhar em horas disponíveis. Com o numerário agora acrescido, fácil ser-lhe-ia prover as novas despesas que teriam em Campos do Jordão.

Em São Paulo, depois que chegaram de São Roque, sua família recebe a visita da Senhora X, cuja vida particular era inteiramente desconhecida de todos, Antoninho, assim que a viu, perguntou-lhe “A senhora é casada?”

A pobre senhora achando-se em situação embaraçosa por essa intempestiva pergunta, tartamudeou: “Sim... sou... meu bom menino!”

“Porque se a senhora não for, esse homem não voltará mais!” continuou ele. 
Assim, aconteceu.

Certa vez, em Campos do Jordão, Antoninho, preocupado ainda com esse caso, pediu que escrevessem à aludida senhora, aconselhando-a a que regularizasse sua vida.

De Campos do Jordão haveria ele de regressar curado, julgavam todos. 
Antoninho, somente adivinhava o triste epílogo de sua dolorosa peregrinação!
Se já era um anjo de bondade, tornava-se agora muito mais acessível, procurando sempre consolar aos outros. Prosseguia na mesma vida resignada, sem uma lamentação. Mostrava-se alegre, embora muitas vezes o fizesse com grande sacrifício. As esperanças de todos voltavam-se agora e justificadamente, para Campos do Jordão!

Aprestaram-se para a viagem. 
Antoninho suportou-a galhardamente, o que veio aumentar ainda mais as esperanças que nutriam pelo seu restabelecimento. Ironia atroz: Campos do Jordão deveria ser, no entanto, mais uma etapa de sofrimentos para os seus pais e uma dolorosa expectativa para os seus irmãos e parentes.

Em vez de subirem ao Tabor onde lhes sorrisse a felicidade, demandaram o Calvário de exacerbada dor...

Manhã azul e perfumada, batida de Sol.

A passarada cantava no arvoredo lá no alto, muito alto, como para se avizinhar mais do céu.

Nossas almas, elevando-se também, procuram o azul infinito dessa paragem de paz predestinada aos que amando de Deus, se esmeram na prática de todas as virtudes.

Pelo caminho pode contemplar a natureza, viridente e caprichosa dessa rica e encantadora passagem, cujo mar de verdura e opulência de contraste, o fazia pensar ainda mais em Deus.

De súbito, voltando-se para sua mãe, disse “Como tudo é lindo, minha mãe, mais eu vou subindo ao Calvário... Olha como é alto!” Percebendo, então no semblante daquela que adorava, impressões de tristeza, mudou de conversa. Ao término da viagem observou “Minha mãe, que terra é está?”
“Meu filho, é um lugar de ótimo clima, é uma estação de repouso para os que necessitam, quando sentem a saúde depauperada.”

Aqui e acolá, viam-se pessoas recostadas em cadeiras “preguiçosas”, descansando e aurindo o ar puríssimo desse rincão paulista, preciosa dádiva dos Céus ao povo bom e predestinado. “Minha mãe, que faz toda essa gente? Não são vadios, não é?”
“São como já disse, gente que descansa” completou sua mãe.
“Ah! Já sei... são doentes!” disse Antoninho.

Nessa ocasião o destino clínico de Campos, que o ouvia e apreciando-lhe a loquacidade, sem saber ainda da gravidade do seu estado, disse “Muito bem meu menino. Poucos dias serão o suficiente!”

E voltando-se, em particular “A senhora faça o pequeno descansar alguns dias e depois o leve ao meu consultório!” Antoninho, a quem essa conversa não passara despercebida, interferiu “Não adianta... tudo inútil... tudo perdido...”

Antoninho chegou bem disposto. 
Encaminharam-se para a nova residência. Recebidos pela proprietária, o menino, não podendo sopitar sua alegria ao ver pendente da parede, à entrada do prédio, o quadro do Sagrado Coração de Jesus, achegou-se mais a sua mãe e disse-lhe “Minha mãe, estamos bem! Vê quem nos veio receber!”

A dona da casa não o ouvindo, mais julgando que se tratasse de pessoas indiferentes a sua religião, falou “Deixei o quadro, certa de que fossem católicos... mas... se quiserem mandarei retirá-lo.”

Antoninho, adiantando-se, exclamou:
“Não senhora! Não retire o nosso Jesus! Nós o amamos muito!”
Coitadinho, entristecia-se quando, ao entrar em qualquer casa, não via a imagem do Sagrado Coração de Jesus, ou a estampa de qualquer santo.

Após quatorze dias de absoluto repouso, encontrou-se Antoninho com o facultativo. Este simpatizou-se logo com o novo cliente. Antoninho estava preparado para receber toda e qualquer palavra, embora esta lhe viesse ferir seus sentimentos mais delicados do amor filial.A sentença que iria ouvir em linguagem dorida, mais sempre cruel e rude, em nada viria modificar sua já comprovada disposição para o sofrimento. Sabia quanto era idolatrado pelos seus queridos pais e, por isso, observava-lhe os gestos.

Terminada a consulta, o inteligente clínico conversou particularmente com os pais de Antoninho que muito longe estavam de esperar uma triste decepção. Bem dizia um celebre pensador francês “A dor de uma alma, somente ao criador é dado conhecer.” Antoninho, que não se distanciara, prestava atenção em tudo.

De repente, desaparece por alguns instantes.
Seu pai, não o vendo por perto, achou azado o momento para fazer uma pergunta ao médico “Doutor, o que achou do menino?”

O médico respondeu “Coragem! Nada há mais o que fazer, seu filho está com tuberculose.”

Nesse ínterim, chega Antoninho.
Seu pai empalidece, mais ainda se anima a dizer “Será possível doutor?”
Tomado pela comoção, chora copiosamente, sentindo-se desfalecer. Durante horas seguidas, a dor retalhava-lhe desapiedadamente o coração. Pobre homem! Fugiam-lhe as idéias. Em sua alma travava-se uma luta insana. Seu coração talvez dissesse: que atroz padecimento meu Deus. Está acima das minhas forças! 

Antoninho, abraçou seu pai e disse :
”Não volto mais nesse médico, ele faz meu papaizinho chorar...”

Jesus, que não os desamparava, veio em socorro do pobre pai desolado, trazendo-lhe o grande lenitivo a sua dor!

Foi por isso que aquela alma que tanto se mortificara pode exclamar “Se voz apraz, Senhor, ver-me sob o peso desta cruz que tanto me aniquila, daí-me o alento, para que eu sustenha com resignação! Confortai-me, Senhor! Faça-se, assim, a vossa vontade, não a minha. Deste-me um anjo e eu vo-lo entregarei! Genuflexo curvo-me aos vossos imprescrustáveis e santos desígnios!”

Antoninho, avaliando o grande sacrifício que seus pais faziam por ele, pediu que escrevessem aos seus, em São Paulo, para que rezassem também pedindo ao pai celestial sua proteção.

O nosso singular doente tinha, além das crianças, mais dois grandes amigos: um carneiro e um cabrito. Aquele deu o nome de Repouso, considerando ser Campos do Jordão um lugar destinado a dar descanso ao corpo combalido. A este, chamava de caverna, como que para justificar que ele, Antoninho, já possuía cavernas nos pulmões. E assim, divertia-se com os seus companheiros de todos os dias.



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